top of page
Buscar
  • Foto do escritorjackelinescarpelli

A AUTORIA DO AUTOR



O que compreendemos como "autoria" não é uma verdade absoluta, tampouco um imperativo da

natureza, como um dado cultural é construção histórica. Por muito tempo, dentro da tradição oral e coletivista da transmissão de saberes as criações artísticas não eram propriedade de seu autor, nem mesmo as ideias que inspiravam essas histórias provinham da genialidade do indivíduo, pelo contrário, eram as musas que sopravam nos ouvidos atentos aquilo que era território criativo dos deuses e não dos homens, aquilo que era saber de todos e não apenas de um.


No período medieval, interessava menos ao público o nome do autor e mais o conteúdo daquilo que ele revelava, a obra era a tentativa de interpretação de uma verdade divina, o artista era tão somente o transmissor, o receptáculo de onde emanava esse poder. Apenas na transição entre Idade Média e a Modernidade é que o conceito de autoria começou a ganhar fôlego.


No intenso caldo cultural da Reforma Protestante, do Racionalismo Francês e do Empirismo Inglês nascia o conceito do indivíduo, detentor de subjetividade, parte de uma comunidade, mas também único senhor de sua própria razão. O sujeito individualizado passa a ser o protagonista da vida social, o núcleo do qual parte uma nova concepção de sociedade. Dessas transformações emergem avanços tecnológicos, como a invenção da prensa, em 1447, importante marco na individualização da autoria. Os livros deixam de ser compilados à mão e podem ser agora produzidos em larga escala, assim como o autor deixa de ser anônimo, coletivo e invisível.


Michel Foucault na sua célebre palestra "O que é um autor?" aponta a historicidade das práticas autorais, destacando que a individualização da autoria foi reforçada à medida que os autores se tornaram responsáveis por aquilo que produziam, ou seja, passíveis de serem punidos pelas ideias e valores que divulgavam por meio de suas obras. Assim, reconhecimento e risco surgem como pólos indissociáveis do conceito e é na transgressão aos valores vigentes que muitas obras deixaram sua marca na história.


Mas como o Direito está sempre na retaguarda da cultura, somente em 1710, mais de 250 anos após a invenção da prensa, foi promulgada a primeira legislação referente ao direito autoral, o Copyright Act, aprovada pela Rainha Anne da Inglaterra. Era o momento de ascensão do Romantismo (séculos XVIII e XIX) que consolidava a figura do "gênio criador", detentor de talento único e original, portanto, sujeito de direitos.


Estavam assim lançados os fundamentos do direito autoral, conforme conhecemos.


*Esse é o primeiro artigo sobre o tema autoria, em breve avançamos para a construção do conceito na complexa e coletiva arte do cinema.

46 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page