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DIRETORES DA AUTORIA

Atualizado: 14 de abr. de 2021



O cinema nasceu do avanço tecnológico em um período de florescimento econômico, consequência da Segunda Revolução Industrial. Os irmãos Lumière ao realizar em 1895 a primeira projeção pública do cinematógrafo, não pretendiam se firmar como "artistas", mas sim como inventores e empresários, ávidos por acumular mais investidores para o financiamento do que seria um marco do entretenimento e apenas posteriormente, uma nova forma de arte.


O cinema que então nascia viveu décadas vinculado à corrida capitalista por novos inventos, por novos negócios, pelo florescimento de novas tecnologias, como era próprio da cultura das primeiras décadas do século XX, em que mesmo as vanguardas artísticas cultuavam a nova era das máquinas - como é o caso do futurismo. Os primeiros produtores e artesãos da nova tecnologia cinemática foram com o tempo incorporando elementos narrativos, testando desdobramentos do formato das imagens em movimento, criando-se assim uma nova maneira de se contar histórias.


Ao incorporar processos narrativos e criativos, o cinema distanciava-se da frieza da linha de montagem industrial ao mesmo tempo em que seus realizadores buscavam legitimar o novo formato como "arte" - a sétima arte. Assim, desde a década de 1920 para afastar o cinema de sua conotação mecânica e comercial, os críticos e jornalistas da época buscavam humanizar as obras por meio do conceito do criador-autor personificado na figura do diretor.


Se a compreensão de autoria é clara quando existe apenas um criador e sua obra, quando a arte criada depende de um conjunto de pessoas - como é o caso do cinema - essa definição se torna mais complexa. Considerando a autoria como uma expressão pessoal do criador, o desafio de individualizar a vontade criativa numa obra com tantos colaboradores se torna imenso.


O movimento conhecido como Nouvelle Vague - ou French New Wave - não criou a noção do diretor como um artista, mas ajudou a popularizar o conceito. Os jovens críticos cinematográficos dos anos 50 por meio da revista Cahiers de Cinéma consolidaram o conceito da câmera estilo - como expressão da individualidade do diretor. O artigo "Uma certa tendência do cinema francês", escrito por François Truffaut, apesar de não se outorgar tal pretensão, tornou-se um marco do que ficou conhecido como "teoria do autor".


Não existem bons ou maus filmes, apenas maus diretores - Truffaut

Em termos abstratos os jovens críticos firmavam a admiração por algumas obras consolidadas do mercado americano, principalmente a dos cineastas Mille e Hitchcock, que eram, segundo eles, mais do que técnicos, mas criadores de uma visão única e exclusiva. Em termos práticos, os mesmos jovens buscavam espaço para se firmarem eles mesmos como autores cineastas no seleto modelo de produção francês da época que dificilmente dava abertura a novas vozes. Nesse sentido, a estratégia foi muito bem sucedida, a Nova Onda, expressa em nomes como Godard, Resnais, Rohmer e o próprio Truffaut, firmava-se como estética, como movimento cultural e como autoria.


É interessante notar que diretores associados ao cinema de autor, como Hitchcock, além, de obviamente dominarem a técnica do seu ofício, foram hábeis em fazer de si próprios uma obra de arte, nada mais nada menos, que a boa e velha autopromoção, a criação da mística que contribuia na divulgação e estabelecimento de suas obras em um mercado restrito e competitivo. Além disso, apesar dos inúmeros filmes existentes, apenas poucos diretores se consagram como verdadeiros "autores", porque essa validação depende não apenas da obra, mas do contexto social em que é produzida.


"O que faz de alguém um diretor de cinema é o fato de ter feito filmes, mas o que faz dele um autor conhecido é o contexto social em que está inserido".

A questão da autoria nunca foi e ainda não é pacífica no âmbito audiovisual, sendo sempre um conceito tensionado pela disputa de espaço e reconhecimento dos diversos agentes que fazem parte de uma criação coletiva - roteiristas, montadores, fotógrafos, editores, atores, para citar apenas alguns nomes. Como conceito cultural que se transforma com a história e com o próprio mercado, esse não é um território de conclusões definitivas, mas de contínuas mutações.


Como atesta o próprio crítico de cinema que ajudou a popularizar o conceito de autoria no cinema, Andrew Sarris:


"Autoria é e sempre foi mais uma tendência que uma teoria, mais uma mística que uma metodologia, mais uma política editorial que um procedimento estético. O cinema é um profundo e obscuro mistério que os autores tentam resolver e o que é infinitamente mais difícil, é divulgar nossas descobertas em um texto legível. O cinema é um labirinto em relação traiçoeira com a realidade."

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